Estou de volta à Holanda. Cheguei na terça-feira de madrugada e ontem foi um dia meio de ressaca. Mas aqui vai o relato das aventuras do último domingo.
Ficamos em um hotel a 5 kms do local de largada. O que quiz dizer que eu pude dormir até as 5:00 da manhã. Diferente o ano passado que tivemos que acordar às 2:30 da madrugada. A gente saiu do hotel às 6:00 e uma das partes mais legais da corrida é o caminho até a largada. Todo o grupo da Nike, mais ou menos 42 pessoas, pedalando silenciosamente nas ruas quase desertas.
Ao chegar ao local, a gente se dividiu de acordo com os números de cada participante. Eu e outros dois colegas, que tinham números parecidos, decidimos dar uma parada no banheiro antes de ir ao próprio local de partida. A largada é dividida em várias fases e quanto mais na frente você estiver melhor. Quanto mais atrás, pior. Acontece que depois do xixi, a gente se perdeu e prá resumir a história, quase perdemos o prazo máximo de entrar no lugar reservado prá gente. Faltando somente 2 minutos para o prazo final encontramos o lugar certo. Nervosismo grande! Mas afinal estávamos prontos para o grande dia. 7:00 horas da manhã, já fazendo 25 graus e a promessa de um dia quente e uma corrida muito dura. A expectativa, que provou ser correta, era que 50% dos participantes não consegueria terminar no prazo máximo de 11 horas e 30 minutos.
Dada a largada, começamos a corrida em ritmo forte, mas sem ir além do limite. Velocidade média de 35 kms/h. O início da corrida, na cidade de Pau, é bem plano e todo mundo queria ganhar tempo alí. A coisa foi seguindo até a marca dos 60 kms com pouca coisa interessante acontecendo: quase me envolvo em um acidente com outros 20 ciclistas (escapei porque empurrei o cara do meu lado), encontrei alguns brasileiros prá conversar um pouco e um colega que acertou outro ciclista a 30 km/h e tívemos que parar porque no acidente ele furou o pneu...
Falei nos 60 kms porque é aí que a coisa aperta. Chegamos a primeira montanha do dia: O Col de Marie Blanque. Mas os primeiros 8 kms são de inclinação leve: 5%. Os último 4 kms é entre 11 e 13%. Imagine a ladeira do sol, mas com quatro quilômetros de extensão... Eu comecei a subida bem tranqüilo e estava seguindo na minha velocidade, por volta dos 6 km/h quando o cara na minha frente cai da bicicleta e eu não consigo desviar. Nessa parte da subida, tinha tanta gente junto ainda que era impossível desviar. Levo a queda, mas me levanto rápido. Tive que tentar 3 vezes para finalmente conseguir encaixar o sapato no pedal e seguir. Faltando 2 kms para o topo, uma ambulância abre caminho entre a multidão de ciclistas. Um sujeito tinha acabado de ter um princípio de ataque cardíaco devido ao esforço. Resultado: a coisa ficou tão congestionada que todo mundo teve que descer da bicicleta e caminhar os últimos 2 kms... Uma chateação porque uma das minhas resoluções desse ano era fazer a corrida sem caminhar.
Passado o congestionamento, subi de novo na bicicleta e segui até a primeira parada programada do dia. O primeiro posto de reabastecimento de água. Alí reencontrei parte do time da Nike e seguimos viagem. Ao sair do food station, uma coincidência incrível: vi parado ao lado da rua o mesmo brasileiro que tinha pedalado comigo no Mont Ventoux na etapa do ano passado. Não sei como, mas lembrei o nome dele e gritei ao passar rápido. "Glauber, aqui é Wagner, do ano passado!" E ele grita de volta: "Diz Aí Garoto!" E foi tudo o que eu consegui escutar enquanto descia a montanha a 60 kms/h.
Mas aí acabaram as coisas simpáticas e legais do dia... O calor começou a apertar de verdade: 35 graus. E eu comecei a sentir o que eu achava que eram câimbras. Uma colega, ao me escutar reclamando, me disse que achava que o problema não era exatamente câimbras, mas eu tinha uma overdose de açúçar no sangue. Estava tomando muito gel e líquido energético e tinha pouca água no organismo. Isso faz com que os músculos comecem a ter contrações muito semelhantes às câimbras. Acreditei na sugestão e decidi fazer os próximos 15 kms sem beber nada já que só tinha líquido energético e não água pura. Reduzi a velocidade e a coisa funcionou. As dores pararam mas me custou perder o grupo de colegas da Nike momentaneamente.
Aos 112 kms re-encontrei o grupo e chegamos a segunda montanha do dia: o col de Sourlor. Eles estavam não mais do que uns 800 metros na minha frente. E agora o calor estava insuportável. 39 graus! É quente demais prá ficar parado tomando cerveja. Prá pedalar a 30 km/h no plano ou 22 km/h nas subidas leve é quase insuportável. E pior, a partir daí teríamos que subir 10 kms com uma inclinação de 8%. Comecei a subida com calma, mas o calor fazia com que meu coração chegasse aos 170 batidas por minuto muito rapidamente. O que me fazia cansar fácil. E tinham pouquíssimas sombras prá fujir do sol escaldante. Então o jogo foi o seguinte: eu pedalava por 2 kms, até me sentir no limite. Parava na primeira sombra que encontrasse e relaxava por tempo suficiente para o coração baixar até os 120 bpm. Ficava parado mais ou menos 30 segundos. Ao mesmo tempo, jogava água na nuca, costas e pernas prá baixar a temperatura do corpo. Assim fiz os 10 kms, ou seja, parei 4 vezes até o topo. Não fiz um tempo brilhante mas garanti que não explodia já que ainda tinha que enfrentar o mostro do Col de Tourmalet. A montanha que acabou comigo 3 anos atrás. A descida do Col de Sourlor foi das mais legais que já fiz. Com um top de 72 kms/h, foi uma descida de 18 kms muito rápida, técnica mas não extremamente perigosa. Foi das mais divertidas e bonitas que eu já fiz em 3 anos de ciclismo.
Agora era procurar se esconder o máximo possível do vento atrás de outros ciclistas. Economizar energia e se preparar para a subida mais difícil do dia. Ao chegar ao pé do Col de Tourmalet, quando você encontra a placa '20 kms para o topo', dá um certo aperto na garganta. Você está quase lá. Dos 184 kms, só faltam 20! Mas ao mesmo tempo, ainda faltam 20. E são todos de subida. Com média de 7.5% de inclinação. Com máximo de 12%. Logo no começo da subida encontrei um grupo de paulistas. Um na frente, com melhor condição física, dando apoio todo o tempo aos outros 3 ou 4. "Vamo lá pessoal. Isso é igual a serrinha", ele gritava. Eu ainda conversei com ele um pouco e depois continuei a minha subida. Fiz a mesma estratégia de parar quando o coração disparava e jogava água no corpo prá baixar a temperatura. O calor era tão grande que o pessoal que estava assistindo a passagem começou a pegar água nos pequenos agueiros que estão nas encostas da montanha e jogavam água nos ciclistas. Isso era um alívio muito grande e não vou muito longe em dizer que muito ciclista tem que agradecer a eles o fato de terem conseguido chegar ao final.
Faltando 7 kms para o topo, havia uma estação de abastecimento de água. Ali reabasteci mais uma vez minhas garrafas e segui até o final. Eram 5:30 da tarde e o prazo máximo era 6:30. Tempo suficiente. Segui na calma e cheguei aos últimos 500 metros com esforço mas sem me matar. O pessoal que estava alí esperando alguém da família ou amigos encorajava os ciclistas. E gritando quantos metros faltavam. Faltando 300 metros, já com a chegada à vista, um cara montou uma banquinha prá vender coca-cola geladinha. O cara, muito esperto, colocava uma latinha gelada em cima da banquinha. A latinha gelada suando no calor era uma visão quase inacreditável. Eu não resisti à tentação e parei. Comprei uma latinha de coca-cola. Bebi na calma. O pessoal gritando: Allez, allez (vai lá, vai lá) e eu na boa. Bebendo a melhor coca-cola do mundo! Terminei a latinha, dei um arroto e terminei a corrida às 6:04. 11 horas e 4 minutos de corrida. Muito feliz com o resultado por ter feito sem me matar como no ano passado e sem risco de ser eliminado. Numa corrida mais dura ainda que a do ano passado. Mesmo com minhas paradas e a coca-cola, eu fiquei somente entre 5 e 10 minutos atrás do grupo da Nike. O que também me deixou feliz.
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