Staring at the sea

Fazia muito tempo que eu não escutava The Cure. Muito tempo mesmo. A última vez que eu escutei BOYS DON'T CRY foi num tempo que eu não falava inglês e não entendia as letras. Essa semana, numa sexta-feira fria de começo de outono, com névoa e pouca gente na rua, me inspirei e coloquei o cd prá tocar no meu diskman enquanto caminhava para um dia de treino fora do ambiente de trabalho. No meio do caminho escutei KILLIN AN ARAB e fiquei com uma sensação de revelação todo o dia. Simplesmente adoro quando tenho esses momentos. É o que os filósofos chamariam de momento de contemplação.

Sempre gostei muito de Camus mas cada vez mais tenho noção que ao ler a tradução para o Português perde-se muito do que ele realmente queria dizer. L'ÉTRANGER foi traduzido no Brasil com o título O ESTRANGEIRO. O que é um pouco confuso. Étranger também significa estranho. Estranho de si mesmo. E é isso o que Meursault é. Algumas vezes me senti assim. Um estranho de mim mesmo que ando meio dissociado de minhas vontades. Nessas horas tudo é igual, não há diferença entre o sim e o não, o mal e o bem, o ficar ou sair. É por isso que Meursault não vai embora. Não se defende. Não vê diferença. Nessas horas meus amigos dizem que eu fico sério, sizudo, casmurro. Na verdade, eles não percebem que eu não estou alí. Eu não matei o árabe e também não posso escapar a responsabilidade do assassinato. Tudo é igual.

É por isso que eu acho a letra do The Cure genial. I'm a stranger, killing and arab. Não foi Meursault que matou o árabe. Foi o estranho que num momento de estranheza estava com uma arma na mão. Foi o estranho que disse a Marie que tanto fazia se ela sentasse à mesa com ele ou não. Que disse ao chefe que nunca se muda de vida. Em poucas palavras, o livro está explicado, as razões ou falta de razões estão alí e Meursault deixa de ser um enigma. i'm alive, i'm dead, i'm the stranger, killing an arab...

Tudo isso passou pela minha cabeça num piscar de olhos. A sensação de contemplação me acompanhou por várias horas e é como uma abertura dos sentidos. É como se tudo ficasse mais claro por esses momentos e sua mente trabalhasse com mais facilidade. Algumas vezes entendo porque Proust era daquele jeito. Acho que todos os artistas sinceros. Li o livro outra vez. Já perdi as contas das vezes que re-li o danado e já sei de antemão que essa não foi a última. Um dia quem sabe leio em francês. Mas antes, tenho Jack London esperando por mim...

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